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Conto, com a Reitora

“O que estamos fazendo de nós mesmos?”

“Mais pobres e mais tristes”. Assim o Brasil e o mundo começaram o mês de setembro. Ver se transformar em cinzas parte da tão rica história do patrimônio mundial, “salvaguardada” no Museu Nacional no Rio de Janeiro, nos deixa estarrecidos, indignados, sem palavras. Não há o que dizer sobre mais essa tragédia descomunal e anunciada. Sinto-me como se tivesse perdido um ente próximo e querido. Sinto-me em luto!

Ouvindo os noticiários, sabemos que uma força-tarefa se prepara para investigar o que ocasionou o incêndio. Mas esta providência não deveria ter sido tomada antes? A pergunta não deveria ter sido: o que fazer para evitar uma tragédia num local que guarda vinte milhões de peças e 200 anos de história nacional? Não tiramos nenhuma lição do incêndio do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo há cerca de três anos? Quantos museus mais teremos de ver sob cinzas antes de voltarmos nossos olhos para o que realmente interessa?

Mais uma vez assistimos impotentes ao resultado do abandono, do desprezo à educação, à ciência e à autonomia científica de sucessivos governos. Não, não há que culpar somente este ou aquele. Todos têm sua parcela de responsabilidade, mas não podemos ignorar os seguidos cortes de verbas que ocorreram desde 2014 por parte do governo federal, uma vez que o Museu estava subordinado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

No entanto, além do escândalo internacional, é paradoxal e sintomático o fato de o Museu estar localizado no mesmo Estado cujo ex-governador Sérgio Cabral é acusado do desvio de bilhões de reais dos cofres públicos. A irrisória verba de R$ 520 mil anuais para atender às condições mínimas de funcionamento fora suspensa em nome da contenção de gastos daquele mesmo governo condenado por astronômicos desvios de recursos públicos.

Paredes descascadas, infestação de cupins, fios elétricos expostos já sinalizavam a tragédia. Como recurso para a não exposição de tal descaso, dez das trinta salas de exposição estavam fechadas à visitação pública, incluindo a mais popular, a que guardava o esqueleto do Maxakalisaurus topai (dinoprata), o primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil.

Além da decadência e da falta de manutenção, o prédio não dispunha de equipamentos e providências elementares de combate a incêndio, não havia pessoal de brigada, o hidrante estava vazio; enfim, faltavam equipamentos mínimos que assegurassem a guarda de inestimável acervo científico e histórico, de importância não somente nacional como internacional.

O museu reunia mais de 20 milhões de peças importantes – como o meteorito do Bendegó, o maior já encontrado em nossas terras e descobertas paleontológicas, dentro as quais o crânio de Luzia, o fóssil mais antigo de uma mulher encontrado nas Américas (12 mil anos). A instituição detinha a maior coleção de múmias egípcias da América Latina – 700 peças – que começaram a ser acumuladas em 1826, no reinado de Dom Pedro I.

As manifestações de pesar vêm de todos os lados. A professora Patricia Teixeira Santos, historiadora e docente do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo, nos repassou uma mensagem do Professor Gianpaolo Romanato, seu coorientador e supervisor de pós-doutorado, da Universidade de Pádua (Itália). Nela, ele escreve

“Carissima Patrizia, condivido tutto quello che scrivi e piango con te l’immensa perdita, non solo per il Brasile ma per tutta l’umanità. Oggi tutti i telegiornali italiani hanno parlato del Brasile e della sua sciagura. Siamo tutti cittadini del mondo e non solo del parse in cui siamo nati, e la grande cultura di ciascun paese appartiene a tutti e arricchisce tutti. Per questo, il rogo del Museo di Rio deve farci sentire tutti più poveri e tristi. Un abbraccio – Gianpaolo”

Traduzindo: “Caríssima Patricia. Compartilho tudo aquilo que escreve [em sua mensagem] e choro com você a imensa perda, não só para o Brasil, mas para toda a humanidade. Hoje todos os telejornais italianos falaram sobre o Brasil e sua calamidade. Somos todos cidadãos do mundo e não apenas da região em que nascemos, e a grande cultura de cada país pertence a todos e enriquece a todos. Por essa razão, a queima do Museu do Rio deve nos fazer sentir mais pobres e tristes. Um abraço – Gianpaolo.”

Fazemos de suas palavras as nossas. Nesse sentido, proponho abrirmos espaço ao silêncio para refletirmos, ainda mais nesse tempo de escolha dos futuros governantes, sobre a grande questão levantada por Michel Foucault: “O que estamos fazendo de nós mesmos?” Da resposta a essa questão dependerá o futuro da cultura e da ciência em nosso País, em suma, o futuro das novas gerações.

Reitor Prof. Dr. Pe Edelcio Ottaviani

São Paulo, 05/09/2018

Imagem de uma mulher branca, loira de cabelos lisos, sorrindo com um fundo escuro.

Profª. Drª. Karen Ambra

Reitora do Centro Universitário Assunção - UNIFAI