O culto a Corpus Christi e a mística das beguinas | Unifai Pular para o conteúdo principal

Conto, com a Reitora

O culto a Corpus Christi e a mística das beguinas

O calendário religioso católico é pródigo. Muitas são as tradições cristãs, os santos, os eventos que merecem ser lembrados, celebrados. Nesta minha Palavra, quero me ater à festa que celebramos no começo de junho: a festa de Corpus Christi. Ela é celebrada sempre em uma quinta-feira. Foi nesse dia da semana, véspera da morte, que Jesus reuniu os doze discípulos e ceou com eles, o mesmo ritual que repetimos em memória dele em nossas missas.

É certo que o brasileiro se lembra de Corpus Christi como mais um feriado em que se tem a oportunidade de um descanso mais prolongado, de uma viagem... Mas na agenda dos católicos, a festa da instituição da Eucaristia está entre as mais populares, com procissões, cantos, crianças vestidas de anjo. Especialmente em pequenos municípios, mas também em bairros tradicionais de grandes cidades, ruas são enfeitadas com flores e serragens para a passagem do Santíssimo.

De onde vem toda essa expressão de religiosidade? O culto a Corpus Christi nasceu do desejo de uma mulher, a belga Juliana de Cornillon, de tornar mais popular e acessível ao povo dos pobres a celebração da eucaristia, já que a missa lhes era incompreensível. Ela queria uma forma popular de celebrar o Santíssimo Sacramento, levando-o para o meio do povo. Assim, a primeira festa se deu em Liège, Bélgica, tendo como centro a Abadia de Cornillon.

Mas quem era Juliana Cornillon? Ela pertencia a uma comunidade de beguinas, que se ocupavam dos doentes do leprosário de Mont-Cornillon. Eram mulheres da Igreja conhecidas pela ousadia, forte personalidade e pelo espírito de liberdade. O movimento beguinal ganhou força na Baixa Idade Média (período que se estende do século XII ao XV), especialmente nos Países Baixos, no Norte da França e no Oeste da Alemanha.

Enquanto o latim era a língua da vida pública e, sobretudo, do clero, as beguinas, embora muito cultas, falavam e escreviam nas línguas vulgares, que eram línguas do povo. Traduziam a Bíblia em língua vernácula e a comentavam entre aqueles que compunham o escopo de sua caridade: leprosos e doentes de peste negra, órfãos e viúvas de combatentes em guerras e cruzadas. Inconformadas com o abismo entre a teologia das universidades e a mentalidade popular, elas, ao mesmo tempo em que cuidavam dos desvalidos de sua época, perseguiram uma religião mais mística, uma Igreja mais espiritual. Algumas delas, como Margarida Porette, pregavam que ao se atingir um estágio de união mística com Deus, a mediação do clero se tornava desnecessária. E entendiam que a relação matrimonial espiritual entre Deus e a mulher não devia estar subordinada a nenhuma profissão monástica e nem ao poder clerical. 

Por causa de seu caráter exemplar em contraste com o modo de vida lascivo de boa parte dos clérigos da época e, obviamente pelo caráter que davam a uma vida religiosa subjetiva independente do sistema sacramental da Igreja Católica, as beguinas suscitaram coerções por parte da hierarquia e condenações de Clemente V e do Concílio de Viena (1312), que as declararam hereges. Tais condenações acabaram por estigmatizá-las e por minimizar seu valor na história eclesiástica.

Bom, vocês devem estar estranhando o fato de eu ter dedicado esse espaço ao surgimento do culto à Eucaristia e ao movimento beguinal. Explico: a Eucaristia é a fonte e o ápice da vida cristã (Concílio Vaticano II). Jesus instituiu a Eucaristia como sinal da sua presença entre nós. "Não vos deixarei órfãos." (Cf. João 14,18) e "Eu estarei sempre convosco até o fim dos tempos."

E o fato de eu ter me alongado na história das beguinas também tem justificativa: o movimento beguinal tem sido objeto de minhas pesquisas nos últimos tempos, assim como o filósofo Michel Foucault e o teólogo José Comblin. A exemplo desses dois estudiosos que se debruçaram sobre o movimento beguinal para entender sua mística, me aproximei delas porque me sinto impelido a perscrutar a luta pela justiça nos diferentes períodos da história. Como essas mulheres, acredito em uma Igreja bem ao estilo de Jesus Cristo, sem dominação, sem riqueza, sem poder, uma Igreja mais próxima das ruas, dos pobres.

Reitor Prof. Dr. Pe Edelcio Ottaviani

São Paulo, 05/06/2015

Imagem de uma mulher branca, loira de cabelos lisos, sorrindo com um fundo escuro.

Profª. Drª. Karen Ambra

Reitora do Centro Universitário Assunção - UNIFAI